fitosíntese

Maria do Céu Antunes: “É fundamental potenciar o crescimento da atividade agrícola”

Foto de Bruno Colaço

Maria do Céu Antunes e Pedro Barreto falam dos desafios da agricultura portuguesa, do impacto da crise inflacionista, da necessidade de desburocratizar o acesso a fundos comunitários e a financiamento para garantir mais e melhor agricultura em Portugal.

Na última década, Portugal teve a quarta maior taxa de crescimento do valor da produção agrícola da União Europeia. O impacto do setor agroalimentar – que inclui agricultura, pescas, indústria alimentar e bebidas – tem sido relevante no comércio externo. Por outro lado, o crescimento médio das exportações situa-se nos 5,5% enquanto as importações crescem a um ritmo inferior, de 3% ao ano, o que se traduz numa melhoria do saldo da balança comercial. O valor acrescentado bruto cresceu mais de 2% ao ano, atingindo 4,2% do PIB em 2021. Maria do Céu Antunes, ministra da Agricultura e da Alimentação, e Pedro Barreto, administrador do BPI, são os primeiros convidados de Agricultura Agora | Conversas sobre Sustentabilidade, um videocast que dá voz a especialistas da área da agricultura numa vertente relacionada com a sustentabilidade nas áreas ambiental, social e financeira.

As entrevistas realizadas no Agricultura Agora | Conversas sobre Sustentabilidade, são conduzidas pelo jornalista João Ferreira e estão integradas com o Prémio Nacional de Agricultura (PNA), que esta semana apresentou a 11.ª edição. O objetivo desta iniciativa do BPI e da Cofina é premiar os agricultores e as empresas portuguesas que se destacam como casos de sucesso no setor da agricultura em Portugal. A missão do PNA é dar voz e visibilidade à agricultura em Portugal, reconhecendo o que de melhor se faz no setor e que conta ainda com o patrocínio do Ministério da Agricultura e o apoio da PriceWaterhouseCoopers.

A agricultura portuguesa está em boas condições e recomenda-se?

Maria do Céu Antunes: Estamos a passar por um momento extraordinário que decorre de uma conjuntura pós-covid-19, da crise inflacionista causada pela guerra e de nove meses de seca severa. Se a última década foi tão positiva, tanto no aumento das exportações como das importações, assim como do Valor Acrescentado Bruto (VAB), a agricultura portuguesa demonstrou que está preparada para o futuro. Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), as exportações agrícolas até outubro 2022, comparadas com o período homólogo em 2021, aumentaram em 30% e as importações em 32%. No entanto, o VAB é determinante, e se em 2021 houve um aumento de 11%, em 2022 verificou-se uma diminuição expectável de 10%. Estes valores justificam-se porque, apesar de na produção agrícola haver um aumento de 7%, os custos de produção também refletem um aumento de 18%. O Governo tem estado a criar mecanismos que mitiguem os efeitos da pandemia, da guerra, da seca e da inflação. Os dados do INE refletem ainda um aumento de cerca de 2,6% dos subsídios à produção. Os agricultores recebem anualmente mil milhões de euros de apoio para garantir alguma estabilidade e fazer face a situações não expectáveis, mas não é o suficiente para momentos tão excecionais como os que temos atravessado. E para momentos excecionais criam-se oportunidades excecionais. O conjunto de medidas que temos implementado contempla a injeção de mais 3 mil milhões de euros no setor energético para tentar mitigar a escalada dos preços, apoios ao gasóleo usado na agricultura, a utilização da reserva de crise da União Europeia (UE) e ainda a utilização dos fundos de desenvolvimento rural. O objetivo é dotar a agricultura portuguesa de instrumentos robustos que permitam mitigar o efeito desta tripla crise e dar continuidade ao seu crescimento. Apesar de hoje termos uma agricultura mais competitiva e preparada para o mercado, continua a haver alguma desigualdade no acesso ao conhecimento e na distribuição dos apoios. Por um lado, queremos continuar a criar medidas para estimular as exportações, por outro esbater estas desigualdades, pensando sempre na nossa pegada carbónica.

A subida dos preços dos fatores de produção, como os fertilizantes, a energia ou a água, afeta muito a agricultura e a economia de uma forma transversal. Neste momento é um dos seus principais desafios?

Pedro Barreto: O clima, e em particular a água, é um dos temas fundamentais para a agricultura, mas existem outros, como é o caso da mão de obra. Todos estes fatores são grandes desafios, mas com a evolução a que assistimos no setor nos últimos 10 anos, estou otimista em relação à nossa capacidade de resolução. No entanto, Portugal tem de ser mais expedito em saber aproveitar a oportunidade dos fundos europeus. Temos até 2029 para aproveitar os fundos que sobraram do Portugal 2020, que com os do Portugal 2030 e do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), somam um total de 50 mil milhões. Para além disso, penso que a desburocratização também deve ser uma prioridade.

O que está a ser feito para promover esta aceleração e aproveitamento máximo dos fundos?

Maria do Céu Antunes: É preciso simplificar a vida dos agricultores, técnicos e colaboradores e ter mecanismos mais expeditos que deem resposta ao que são as expectativas de quem investe e do próprio cidadão.

No âmbito do PRR, temos um projeto em curso, que envolve cerca de 14 milhões de euros, para reestruturarmos toda a relação com o nosso cliente, nomeadamente o agricultor. Acedendo a um portal online, ele pode submeter candidaturas, pedidos de pagamento e inclusivamente dar dados que nos permitam ajustar a política pública a qualquer momento. Atualmente, o desempenho da atividade agrícola e do complexo agroalimentar e pescas tem um resultado muito positivo. O vinho, por exemplo, está neste momento a atingir os mil milhões de euros de exportações anuais, e o setor da produção de hortícolas e frutos, que há 10 anos exportava 700 milhões de euros, neste momento ultrapassa os 1.700 milhões de euros. É fundamental potenciar este crescimento.

Nestes 10 anos, o Prémio Nacional da Agricultura teve cerca de 9 mil candidaturas e 150 prémios atribuídos. Em 2021, bateu-se o recorde com 1.321 candidaturas. Qual a importância deste prémio?

Pedro Barreto: O objetivo dos prémios é realçar e dar a conhecer aquilo que melhor se faz em Portugal. O que me tem surpreendido de ano para ano não é tanto o número de candidatos, mas a qualidade das candidaturas.

Maria do Céu Antunes: Na agricultura portuguesa temos excelentes exemplos de boas práticas, do ponto de vista ambiental, tal como o uso eficiente da água, o aproveitamento do solo e o bem-estar animal e na garantia das condições de produção, tendo sempre em atenção a sustentabilidade, a mitigação das alterações climáticas e uma adaptação das nossas formas de produzir. Temos consciência de que precisamos de produzir mais com menos. Se, por um lado, a vertente económica está muito patente na dimensão das exportações e do VAB, a dimensão social também é fundamental. A reforma da Política Agrícola Comum (PAC) tem pela primeira vez um condicionalismo social, ao ajudar a corrigir e denunciar situações que estejam menos bem. Estes prémios refletem claramente a dimensão ambiental, social e económica e mostram como os nossos agricultores estão a agir para fazer face a este modelo.

O BPI é reconhecido como o banco para a agricultura. De que forma é que oferece apoio aos seus clientes em prol da agricultura?

Pedro Barreto: Temos uma oferta muito completa para o setor da agricultura. Há cinco anos que temos equipas especializadas na análise de projetos agrícolas. O grande desafio dos bancos é serem relevantes para os clientes e isso obriga a uma segmentação e uma especialização dos serviços oferecidos. É esta a estratégia que temos seguido e a agricultura é uma área claramente prioritária.

A agricultura portuguesa precisa de mais jovens?

Maria do Céu Antunes: Claramente. Atualmente, à semelhança do que acontece nos restantes Estados-membros da UE, a média etária é superior a 65 anos e precisamos de um rejuvenescimento. É importante utilizar estes exemplos de boas práticas, em termos de inovação e desenvolvimento tecnológico, para mostrarmos aos jovens que vale a pena investir na agricultura. Vamos implementar, a partir do início de 2023, medidas muito específicas para este segmento. Ao nível do investimento aumentámos a taxa média de apoio em cerca de 23%, podendo alcançar um máximo de 80% a fundo perdido. Ao nível do prémio à instalação, podemos aumentar até 75%, dependendo das especificidades dos casos. Esta reforma da PAC é a mais ambiciosa dos últimos 30 anos porque, sem perder o foco de que é necessário garantir o rendimento aos agricultores e a viabilidade das explorações agrícolas, olha também de forma muito concreta para a justiça na distribuição desses apoios e para a dimensão das explorações. Apesar de criar condições para potenciar uma agricultura de mercado, mais virada para as exportações, não deixa de lado uma pequena agricultura, muito vocacionada para o comércio de proximidade e que é essencial para alimentar aquilo que é o desenvolvimento económico, social e ambiental de alguns territórios, nomeadamente no interior do país. Temos de o fazer aproveitando as oportunidades que esta transição ecológica e a digitalização trazem para o setor da agricultura. Temos uma agricultura mais tecnológica, assente em mecanismos de precisão, onde claramente os jovens têm uma apetência natural. Desde a utilização de drones, tratores comandados, técnicas de análise de solo, dados de satélite, etc. Todas estas inovações tornam a agricultura mais competitiva independentemente da escala, e mais preparada para os desafios da sociedade.

Notícia publicada no Jornal de Negócios.