A ideia de que existe um “mundo rural” e um “mundo urbano”, monolíticos, opostos e autónomos é reveladora da realidade de que poucos clientes conhecem a realidade dos agricultores e o seu quotidiano e de que poucos agricultores conhecem o cliente final dos seus próprios produtos. Há uma ilusão de separação quando são totalmente codependentes, mesmo tendo em conta as condicionantes do distanciamento geográfico. Pertencem à mesma sociedade, economia e cultura.
Uma clivagem dramática entre o “mundo rural”, que recentemente encontrou muitos candidatos a porta-voz, e o “mundo urbano”, onde se projetam preocupações mais ou menos infundadas, é uma dramatização que não tem muita utilidade para identificar ou resolver problemas do sector, que serão esses sim a fonte compreensível de muita frustração.
Os clientes – porque sabemos que o chamado “mundo urbano” são essencialmente nossos clientes – quererão que este corresponda às suas expectativas, e estas farão maior ou menor sentido. As partes podem discordar, mas não se podem ignorar porque são intrínsecas e por isso necessariamente parte do mesmo “mundo”.
Em vez de ataques gratuitos e generalizados à atividade agrícola no seu todo, tem-se visto um interesse cada vez maior pela nossa atividade, pelas reportagens que surgem com maior frequência em publicações generalistas sobre agricultores e agricultura. Com melhor ou pior informação as pessoas querem saber mais da atividade e das pessoas por detrás dela, o que faz sentido porque se trata da sua alimentação e da sua sociedade.
Há também maior noção de que os quase 40% do território dedicados à atividade agrícola são cruciais para a sua própria alimentação e para uma resolução da emergência ambiental, coisas completamente impossíveis de alcançar sem a ajuda da agricultura e dos agricultores.
Decorre disso que muitas políticas europeias e nacionais são um reflexo destas críticas que se focam em aspetos ambientais, como sabemos ao olhar para as sucessivas PACs. Neste percurso das últimas décadas os agricultores têm apesar de tudo sabido cumprir e é inevitável que esse caminho continue a ser percorrido e aprofundado, refletindo-se depois na política de subsídios que quase todos recebemos.
Como muitos pensam ou até podem desejar, este caminho não vai ficar por aqui mas irá aumentar de exigência, e as críticas (construtivas) mais recorrentes do “mundo dos clientes” – proteção do solo, biodiversidade, conservação de água e habitats, etc. – serão inevitavelmente incorporadas nas próximas políticas agrícolas e hábitos de consumo, inclusive em iniciativas de aproximação dos tais “mundos”, como o “Farm to Fork”.
Comprovo no dia-a-dia que os clientes são muitas vezes nossos aliados nestes desígnios sociais e ambientais, e não uma força anónima que exige a nossa cabeça num cadafalso. Não poucos sonham (por vezes com idealismos, o que é normal) estar mais próximos de nós e da nossa atividade. É uma admiração por vezes, mas não é uma admiração incondicional, nem devia ser. Espero que esta atenção se traduza por exemplo no apoio para que os agricultores obtenham a remuneração e condições justas pelo seu trabalho.
Sendo injustas algumas generalizações sobre o nosso trabalho, não devemos generalizar em retribuição. Em jeito de resposta às críticas vamos partilhar aquilo que temos feito no nosso trabalho para melhorar o solo, a água, a nossa saúde e dos nossos trabalhadores, pela biodiversidade nos locais de que devemos cuidar e na melhoria de qualidade dos nossos produtos, tudo objetivos a que os nossos clientes dão cada vez mais importância e que a tecnologia e o conhecimento têm ajudado a alcançar. Por vezes isto não está a chegar aos consumidores e não é por culpa exclusiva destes.
De forma humilde e construtiva, vamos também fazer o mais difícil e demonstrar que também sabemos reconhecer os pontos que temos de melhorar na nossa atividade, que sempre existiram e sempre vão existir.
As críticas construtivas à evolução do sector agrícola são inevitáveis e o sector deve conseguir rapidamente interpretar e até aprender a antecipar estas críticas, quanto mais não seja porque estão ou poderão vir a estar materializadas em política agrícola e nas tendências de mercado.
Há apenas um “mundo” – aquele em que estão os que produzem e os que se alimentam. Um não existe sem o outro. Saibamos estar todos à mesma mesa.
Nuno Oliveira
Produtor Hortofrutícola em MPB
Notícia In: Agroportal