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27 de Abril, 2024
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Bruxelas arrasa agricultura portuguesa? – Manuel Chaveiro Soares

Presentemente a UE está a ser varrida por uma “onda verde” (Green Deal, no âmbito do denominado Pacto Ecológico Europeu), com epicentro em Bruxelas, que tende a eliminar muitos progressos tecnológicos alcançados na produção de alimentos – com crescente otimização da aplicação dos recursos, mormente no pós-guerra –, sem que em muitas circunstâncias as decisões ora em preparação pela Comissão Europeia se fundamentem na evidência científica. De facto, constituiram-se lóbis de cariz ideológico ou emergiram correntes nalguns partidos políticos que aproveitam a atual situação de abundância alimentar para, invocando questões de índole ambiental, defenderem teses tendentes à adoção de tecnologias produtivas pouco eficientes.

Entre estas propostas sobressai a expansão do modo de produção biológica, o decréscimo do uso dos fertilizantes e ainda a redução em 50 por cento da utilização de produtos fitofarmacêuticos – sem que se indique a base científica em que se fundamenta o referido decréscimo do uso dos pesticidas. Admitindo que estes sofram uma possível perda de autorização da utilização de um conjunto de mais de 80 substâncias ativas na UE, a prestigiada AGRO.GES realizou um estudo para avaliar as repercussões económicas que tal decisão teria em cinco fileiras agrícolas – milho-grão, vinha para vinho, tomate para indústria, olival para azeite e pêra Rocha – que representam um terço da produção vegetal em Portugal. Como conclusão, a AGRO.GES considerou que o milho-grão e a vinha para vinho poderiam perder a viabilidade económica por completo, enquanto o tomate, o olival e a pêra sofreriam uma perda de receita anual de, respetivamente, 111,4 milhões de euros, 28,9 M € e 26,2 M €.

Curiosamente, enquanto escrevo este texto, tenho à mesa ameixas transportadas por avião de dois continentes distintos – sendo inimaginável o impacto ambiental do respetivo transporte, que será cada vez mais relevante à medida que a UE reduzir a produção interna e, consequentemente, incrementar a importação de alimentos. A concretizarem-se as orientações desenhadas por Bruxelas, considero conveniente acelerar a construção de um novo aeroporto em Lisboa, designadamente enquanto os juros estão baixos, para assim deixarmos uma herança menos pesada para os nossos netos, nomeadamente aqueles que quiserem continuar a viver na UE, pois são muitos os que pretendem estudar ciências nas melhores universidades do mundo, sitas nos EUA e na Grâ-Bretanha, onde poderão eventualmente continuar a trabalhar (refira-se, a este propósito, que também no ranking dos melhores economistas portugueses, é precisamente naqueles dois países que os melhores desenvolvem a sua atividade).

Mas Portugal encontra-se numa situação particularmente melindrosa, na medida em que já apresenta uma balança comercial agrícola e agroalimentar fortemente deficitária (em torno de 3,7 mil milhões de euros) e o endividamento da economia portuguesa (Estado, empresas e famílias) eleva-se a 368,8% do PIB (Carregueiro, 2021), o que poderá vir a colocar dificuldades para o inevitável recurso a mais crédito em ordem ao incremento da importação de alimentos.

Acresce que nas últimas duas décadas a nossa superfície cultivada sofreu um decréscimo de 1,3 milhões de hectares (F. Avillez) precisamente por perda de viabilidade económica, pois de facto a generalidade dos solos portugueses são pouco férteis, nomeadamente muito pobres em matéria orgânica e, por outro lado, o clima mediterrânico, que predomina no País, proporciona temperaturas elevadas que favorecem o crescimento das plantas desde que não escasseie a água, só permitindo em geral uma agricultura competitiva recorrendo ao regadio, que abrange apenas uma pequena parte da área atualmente cultivada: 12% da superfície agrícola utilizável, segundo a FENAREG (2018).

Considerando o que precede e tendo em conta que o nível de dívida externa portuguesa é muito elevado, o risco de uma crise com o exterior, como já tivemos por três vezes desde o 25 de Abril, não fica afastado.

Receio então que se venha a regressar a uma balança alimentar semelhante à que existia antes da II Grande Guerra e que correspondia a um estado de subalimentação, refletido no baixo peso médio da população, na sua menor estatura e em muitas situações de fome, ao contrário do que se verifica atualmente, em que os jovens são mais altos que os seus antepassados criados antes do referido conflito mundial e cerca de 50 por cento da população apresenta um peso corporal excessivo.

A propósito das iniciativas da Comissão Europeia em matéria de produção biológica, importa ter em consideração a tese defendida pelo Eurodeputado Álvaro Amaro (2021) e que já terá merecido a aquiescência do Parlamento, no sentido que as ações previstas deverão privilegiar medidas que incentivem o lado da procura e não da oferta. Uma tese que também já defendi em reflexão publicada no Agroportal sob o título «Convencional vs Biológico – o Consumidor é quem decide».

Não obstante o declínio (económico, militar e científico) da UE relativamente a outros grandes blocos económicos, os decisores de Bruxelas continuam a afastar a biologia molecular do âmbito da agricultura, enquanto nos blocos cientificamente mais avançados se estão a registar progressos notáveis no melhoramento genético das plantas, inclusive foi conseguida a fixação biológica do azoto, através da aderência de micróbios às raízes, formando uma relação mutualista com a planta, nomeadamente com o milho, o trigo e o sorgo (culturas exigentes quanto à nutrição azotada e que ocupam amplas áreas no mundo). Acresce que, com esta nova tecnologia não se verificam perdas de azoto por lixiviação, escoamento superficial ou por volatilização, o que propociona vantagens ambientais notáveis, para além da poupança inerente à elevada energia necessária à síntese do amoníaco – base usada no fabrico da generalidade dos adubos azotados.

A propósito dos fertilizantes inorgânicos, que em Portugal são todos importados, congratulo-me com a decisão anunciada, no passado dia 13 de Abril, pelo Senhor Ministro do Ambiente e da Ação Climática, que considerou que o principal destino dos efluentes pecuários é a valorização agrícola: (sic) «ideal é mesmo a valorização e a valorização mais imediata é, obviamente, feita pelo espalhamento, não é feita pelo espalhamento sempre no mesmo sítio, mas nos sítios onde esta matéria orgânica faz falta». O Engenheiro Matos Fernandes explicou que (sic) «onde uns veem efluentes e solos saturados, a Estratégia Nacional para os Efluentes Agropecuários e Agroindustriais (ENEAPAI, 2030) vê fósforo e azoto que os solos mais pobres do país necessitam», acrescentando que esta estratégia vai minorar a importação de fertilizantes.

Estando eu inteiramente de acordo com a opinião expressa pelo Senhor Ministro, interrogo-me porém se a estratégia anunciada irá ser adequadamente interiorizada pelas entidades oficiais competentes, agilizando as autorizações para o espalhamento dos referidos subprodutos (que alguns ainda insistem em classificar como resíduos!), com vista à fertilização dos solos, na sua larga maioria pobres em matéria orgânica, azoto e fósforo e, consequentemente, se não forem fertilizados de forma adequada, proporcionarão baixas produtividades, retirando assim competitividade às culturas.

Manuel Chaveiro Soares

Engenheiro Agrónomo, Ph. D.

Notícia in: Agroportal

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